Pesca aumenta e traz mais riscos para botos e tucuxis na Amazônia

Boto cor-de-rosa visto na segunda expedição, em abril de 2022. Foto de  Simon Ager/Sea Shepherd

No último dia 23 de novembro, após 19 dias navegando pelos rios Solimões e Purus, voltaram à terra firme os pesquisadores da expedição Boto da Amazônia, feita para observar e contar a população e as condições de vida de duas espécies que estão em risco de extinção: o boto-cor-de-rosa, conhecido também como boto-vermelho ou boto amazônico, e o tucuxi.

Ao longo de 1.010 km de rios, lagos e canais que os ligam, a terceira viagem da Sea Shepherd e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) encontrou 185 pontos com pesca, um aumento de 39% em relação ao levantamento feito há um ano. A Sea Shepherd é uma organização internacional para a preservação da vida na água.

O projeto de mapeamento dos golfinhos de rio tem como objetivo dar sequência a um estudo realizado há 25 anos que detectou queda drástica de 50% das populações desses animais a cada 10 anos. Foram esses dados que levaram as duas espécies ao status de risco de extinção.

Segundo Nathalie Gil, líder da expedição e CEO da Sea Shepherd Brasil, a extinção dos botos pode desencadear uma catástrofe, um grave desequilíbrio ecológico, também porque eles são animais de topo de cadeia -sua ausência faz com que todas as suas presas se multipliquem. Segundo a pesquisadora, até hoje, apenas uma espécie de golfinho, a da China, foi extinta.

A pesca, mesmo quando não tem como meta final o consumo ou a venda dos golfinhos de rio, traz perigo de morte para esses animais: eles se enroscam em redes colocadas para pegar outros peixes e são capturados para virar isca para a prática ilegal da pesca do peixe piracatinga. 

Foram visitadas quatro áreas importantes na região dos rios Solimões e Purus, duas delas de manejo controlado e duas de alta atividade pesqueira. As quatro são a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu-Purus, reconhecida mundialmente por ter a maior densidade de golfinhos de rio do mundo. Outros três pontos são a RDS Mamirauá e a região do lago Badajós, áreas onde ocorrem as duas espécies, a área de Manacapuru, a mais perigosa, conhecida como zona vermelha, pela alta incidência de pesca da piracatinga.

Ali se usa a pesca de arrastão intensiva, que é deixar a rede armada. Foi ali que foram encontrados dois tucuxis mortos, já no primeiro dia da expedição. Um deles com o bico amarrado pelos pescadores.

Nas três expedições realizadas até hoje, foram encontrados seis botos mortos, quatro dessa mesma região. Segundo a equipe, três deles com indício de morte por interação com pesca. Na mesma área, a equipe também já flagrou atividades ilegais de pesca de piracatinga.

A piracatinga é um peixe necrófito: se alimenta de carne morta. Por isso, as armadilhas para sua captura são feitas com pedaços de jacaré ou boto, duas espécies com caça proibida. A pesca da piracatinga é proibida desde 2015 no Brasil e a proibição deve valer ao menos até junho de 2022. Mesmo assim, a pesca continua.

Ao comentar os resultados da expedição, o coordenador técnico Juan Pablo Torres-Florez afirmou que para a proteção dos animais não basta a lei de proibição de caça. É preciso conscientizar as populações que vivem nas margens e fiscalização mais eficaz. “Na região existe ilegalidade atrás de ilegalidade. Não basta proibir. Tem de fiscalizar a pesca, os frigoríficos”, disse.

Boto morto encontrado na primeira expedição, em outubro de 2021. Foto Sea Shepherd

A equipe da expedição também mapeou pontos de resíduos flutuantes com o mesmo método de avistamento e confirmação usado para os animais. Foram 616 locais com acúmulo e represamento de lixo, um aumento de mais de 877% em comparação com a viagem de 2021, quando foram avistados 63 pontos. A poluição plástica é um dos problemas que ameaçam as espécies dos rios.

Os dados populacionais ainda precisam ser consolidados e é necessária uma série mais longa de dados – de 12 anos – para apontar a tendência real dos grupos das duas espécies, mas, no curto intervalo de um ano, as populações avistadas se mantiveram estáveis.  No ano passado, em outubro, foram percorridos 1.179,1km e avistados 1.371 botos, o que resulta em uma taxa de encontro de 1,16 animal por km, e 3.114 tucuxis, taxa de 2,64 animais por km. Na expedição terminada agora em novembro, foram 1.387 botos, com taxa de 1,37/km, e 3.107 tucuxis, taxa de 3.08/km.

O projeto tem seis fases previstas e pode terminar em 2024. Os pesquisadores consideram que seria importante completar um ciclo maior para verificar a hipótese da velocidade de declínio da população contida no estudo de 25 anos atrás. Para saber mais ou apoiar o projeto, visite o site da expedição.

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