ONG da saúde quer tratado dos plásticos sem exceções para o setor

Em uma carta aos negociadores do Tratado Global contra a Poluição dos Plásticos, o Projeto Hospitais Saudáveis (PHS) defende um documento “ambicioso e justo” sem exceções para o setor de saúde. O PHS representa e coordena as atividades da Health Care Without Harm (Saúde sem Dano) e da Rede Global Hospitais Verdes e Saudáveis (Global Green Health Hospitals) no Brasil e afirma ter mais de 321 membros institucionais (hospitais e unidades de saúde) no país.

A carta é dirigida aos delegados que participam da quarta e penúltima reunião do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC-4) para finalizar o texto do mais importante marco internacional contra a poluição dos plásticos, inclusive em ambiente marinho, que acontece de 23 a 29 de abril em Otawa, no Canadá.

A meta da INC-4 é avançar na redação do instrumento global para finalizá-lo em Busan, na Coreia, em dezembro. O documento internacional deve ser juridicamente vinculativo, isto é, que vale como lei em todos os países que o assinarem, já em 2024.

A criação de um acordo internacional contra a poluição dos plásticos foi encampada oficialmente pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2022. Entre as bases que vem sendo discutidas estão limitar a extração de matérias-primas, eliminar a fabricação de plásticos de uso único, redesenhar os produtos para que sejam duráveis, potencializar o uso e a inserção de material usado na composição de novos produtos, para evitar o aterramento ou a dispersão no meio ambiente.

A carta dos profissionais de saúde e de organizações hospitalares é uma iniciativa importante. O passivo ambiental dos plásticos no setor é colossal. “Os plásticos se tornaram onipresentes nos cuidados de saúde, com uma transição significativa para itens de uso único nas últimas décadas, tais como tubos, luvas de procedimento, cateteres, sistemas de infusão, dispositivos de transfusão, equipamentos de diagnóstico, aventais”, observa o documento.

“No entanto, muitos usos não essenciais de plásticos no setor de saúde podem ser eliminados, incluindo aplicações não médicas, como manutenção, alimentação, revestimentos e escritório. Os usos essenciais dos plásticos frequentemente podem ser desintoxicados e projetados para reutilização”, diz o texto.

Segundo o documento, há um movimento de negociadores do acordo pedindo isenção para os plásticos utilizados na saúde. “Embora seja verdade que alguns produtos usados na área da saúde possam exigir consideração especial no Tratado, uma isenção generalizada impediria o avanço na redução dos plásticos de uso único e tóxicos”, afirma. “O setor saúde requer uma consideração especial no Tratado sobre Plásticos, e não de uma isenção. Uma isenção geral é inconsistente com a missão de saúde do setor e inibiria a inovação, bem como o impulso para a redução, reutilização e redesign de produtos plásticos”. 

Entre os mais de 700 profissionais de saúde signatários da carta em vários países do mundo os médicos e professores brasileiros Paulo Saldiva e Thais Mauad, da Faculdade de Medicina da USP.

A seguir a íntegra da carta:

Carta aberta de profissionais de saúde do Tratado sobre Plásticos

Abril de 2024

Prezados Delegados e Presidente do Comitê Internacional de Negociação para um Tratado sobre Plásticos,

Como profissionais de saúde que prestaram juramento ao princípio ético de não causar danos, estamos comprometidos com a saúde e o bem-estar para todos. O plástico representa uma crise contínua para a saúde humana e planetária, que inevitavelmente se agravará com o dramático aumento planejado na produção de plásticos, a menos que sejam tomadas medidas globais.

Instamos os delegados a comprometerem-se com um Tratado justo e equitativo que respeite os direitos humanos, limite a produção de plásticos e elimine os produtos plásticos desnecessários, incluindo o plástico de uso único, priorize a eliminação de substâncias tóxicas e garanta a transparência dos produtos e materiais plásticos. São necessárias ações ao longo de todo o ciclo de vida dos plásticos para eliminar os efeitos nocivos da produção, uso, reciclagem e disposição final de plásticos e para proteger a saúde humana e planetária.

Apelamos aos delegados para que desenvolvam um Tratado ambicioso e justo para acabar com a poluição plástica, inclusive no setor saúde. O setor saúde requer uma consideração especial no Tratado sobre Plásticos, e não de uma isenção. Uma isenção geral é inconsistente com a missão de saúde do setor e inibiria a inovação, bem como o impulso para a redução, reutilização e redesign de produtos plásticos. Isso está em desacordo aos crescentes esforços globais em direção a um setor saúde sustentável.

Os plásticos se tornaram onipresentes nos cuidados de saúde, com uma transição significativa para itens de uso único nas últimas décadas, tais como tubos, luvas de procedimento, cateteres, sistemas de infusão, dispositivos de transfusão, equipamentos de diagnóstico, aventais, etc. No entanto, muitos usos não essenciais de plásticos no setor de saúde podem ser eliminados, incluindo aplicações não médicas, como manutenção, alimentação, revestimentos e escritório. Os usos essenciais dos plásticos frequentemente podem ser desintoxicados e projetados para reutilização.

Por isso, apelamos aos governos para que considerem a implementação de um programa de trabalho sobre produtos plásticos no setor da saúde, alinhado com outras iniciativas internacionais sobre saúde, produtos químicos, resíduos, cadeia de suprimento sustentável e clima.

Existem impactos na saúde em cada fase do ciclo de vida do plástico. Os plásticos utilizados na assistência à saúde requerem milhares de aditivos perigosos, incluindo cancerígenos, neurotóxicos e desreguladores endócrinos, que podem se desprender de produtos e resíduos, persistindo no meio ambiente e ameaçando pacientes, comunidades, trabalhadores (incluindo os que trabalham com resíduos) e ecossistemas. A exposição a produtos químicos perigosos provenientes do plástico é uma preocupação especial para pacientes vulneráveis, incluindo fetos, recém-nascidos e crianças. Esta toxicidade e exposição crônica representam um fardo significativo para o sistema de saúde em todo o mundo. Além disso, a falta de informações completas sobre os componentes do produto dificulta os esforços de reutilização, reciclagem e a transição para alternativas mais seguras. A transparência e a rastreabilidade de produtos químicos perigosos em produtos e artigos de saúde são, portanto, essenciais para acelerar o redesign e a eliminação de substâncias tóxicas em produtos plásticos.

Os plásticos e seus aditivos químicos são feitos principalmente a partir de matérias-primas petroquímicas. Reduzir a nossa perigosa dependência de plásticos à base de combustíveis fósseis ajudará a limitar o aquecimento global e a degradação adicional dos ecossistemas do planeta. A inação terá consequências terríveis para a saúde e resultará na perda de recursos naturais essenciais e serviços ecossistêmicos críticos para a saúde das espécies humanas e não humanas, minando a Saúde Única e a saúde planetária.

As comunidades, os profissionais de saúde e os sistemas de saúde já enfrentam os impactos alarmantes da produção e da poluição por plásticos. Os piores impactos da produção e descarte dos plásticos não são distribuídos igualmente, mas concentram-se nas comunidades mais vulneráveis e com poucos recursos. O tratado deve defender o direito universal a um ambiente limpo, saudável e sustentável, abordando os impactos sobre os direitos humanos em cada fase da produção dos plásticos e na gestão desses resíduos.

Recebemos com satisfação a resolução WHA76.17 e o relatório do Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), que reconhecem o ‘papel crítico e a experiência única do setor saúde em contribuir para a boa gestão de produtos químicos e resíduos, e para a proteção contra seus impactos nocivos na saúde e no bem-estar’. Desde têxteis e dispositivos médicos reutilizáveis até a eliminação de produtos desnecessários de uso único, os prestadores de serviços de saúde estão transformando o setor e têm um papel fundamental a desempenhar reduzindo a ameaça à saúde pública, debatendo o uso do plástico e buscando alternativas mais seguras. 

Não podemos confiar em soluções falsas, como a reciclagem química, que amplia o uso insustentável de plástico, ou a dependência de combustíveis fósseis, que não geram melhorias reais na saúde. Só uma redução significativa na produção e utilização de plástico pode fazer isso.

Como médicos, enfermeiros, pesquisadores, profissionais de saúde e associações, temos a obrigação moral e profissional de prevenir exposições prejudiciais a produtos químicos perigosos provenientes de plásticos no setor saúde. Comprometemo-nos a continuar agindo para proteger a saúde humana e instamos que se comprometam com um Tratado que apoie fortemente a saúde, os direitos humanos e a justiça. Um Tratado que protege o planeta é também um Tratado que protege nossos pacientes.

Assinam o documento mais de 700 médicos e profissionais de saúde, associações como Health Care Without Harm, European Confederation of Primary Care Paediatricians, International Federation of Medical Students Associations, International Society of Doctors for Environment, Projeto Hospitais Saudáveis, World Federations of Public Health Associations e  Canadian Association of Physicians for the Environment, entre outras.

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